Todas as pulsões trabalham na busca da satisfação. O que marca a radicalidade da pulsão é que nada a satisfaz totalmente, a não ser ela própria. Mas como ela não pode chegar nela própria, ela esbarra numa outra e investe nisso. É assim que nos apaixonamos pelas pessoas, que escolhemos profissões, compramos objetos. Dito de uma maneira muito radical: a pulsão tem por objeto ela própria, mas ela não quer “ela”, ela quer não-ela. E a libido também investe o Eu, como se o Eu fosse um objeto. O psiquismo tem uma megarreserva de energia, de libido, que é guardada no Eu. O Eu é um reservatório de libido, tudo passa pelo Eu. E aí você pensa o seguinte: cara, a gente é muito, muito impactado pela nossa própria existência, pela nossa própria presença e consistência. E o grande barato da vida é que nossa existência é furada e a gente precisa ir para fora - é como a pulsão. E quando a gente vai para fora, a gente encontra muita coisa, muita coisa interessante, ameaçadora, bacana. Mas o que acontece? Quando a gente vai pra fora, a gente está indo para dentro também. O movimento é ambivalente. Então, as pessoas podem gostar das pessoas lá fora, mas ao mesmo tempo em que elas gostam de alguém, elas estão fazendo algo por elas. E é essa dimensão do narcisismo que vocês precisam entender. Narcisismo é quando a gente investe na gente, quando a gente cria nossa malha. E como é produzido o narcisismo? Olha outro paradoxo: é produzido de fora! Então entendendo que o dentro e o fora são uma binaridade equivocada, e que é isso que funda o inconsciente?
Quando a gente nasce para se humanizar, a gente precisa ser acolhido, cuidado, alimentado. Esse trabalho de cuidar salva a gente de uma morte natural por putrefação. Ou seja, o cuidado humano adia a morte e engendra a vida. Quando isso acontece, algo da gente surge como um reservatório de tesão de vida e de raiva também. Esse reservatório é o narcisismo. Ou seja, se alguém me amou, eu posso existir narcisicamente. Olha que coisa interessante!? Estão entendendo isso? Se alguém me cuidou o que essa pessoa me deu? Valor. Esse valor que eu recebi, eu introjetei como o quê? Valor de vida. Então, uma mãe que ensina o filho a se alimentar, a pensar, a se cuidar, o que ela está engendrando nele? Amor. E como ele registra esse amor? Narcisicamente. Estão acompanhando o que eu estou falando?
O narcisismo é a forma como alguém registra as dimensões amorosas e passa a ganhar aquilo que era do outro, que passa a vir para cá; é uma transfusão de componentes. Não é verdadeiro isto, mas vocês vão entender: é como se a gente viesse sem software e o papai e a mamãe fossem engendrando o software. Isso não é verdade, porque a gente já vem com software, mas alguma coisa é engendrada. Sabem aquela coisa: “eu devo tanto a você!...” “Eu aprendi tanto com você!...” “Eu, perdendo você, no luto eu aprendi mais sobre mim do que eu sabia...” Estão entendendo esse nível? Pois bem! Tem pessoas que não fundam esse núcleo narcísico, pessoas que são muito avacalhadas por violência, por exagero, por “maltratação”, por angústia... Tem demais esse tipo de coisa. E quando existe uma pletora de arapucas, o terreno para o narcisismo fica muito árido, fica muito difícil. E é por isso que ,ali, se encripta justamente o negativo do narcisismo. Ou seja, o que eu tenho para pensar sobre o mundo e sobre mim é uma elaboração do meu narcisismo. Que é uma elaboração, por exemplo, de eu ajudar alguém. O que é, por exemplo, o “doador”? É a pessoa que não dá limite, que suporta, que se deixa maltratar em nome do amor incondicional. Esse tipo de posição é uma posição de migração do narcisismo. É como se, me doando para o outro, eu pudesse também transfundir o meu ser, e o outro ficasse também um pouco comigo. Essa é a fantasia do borderline. É que ele consiga fusionar o seu ser com o do outro. Quando vocês estão apaixonadas, seja pelo cheiro, pelo olhar, pela voz... não importa!... por um mix dessas coisas... Quando vocês se apaixonaram, vocês fizeram uma ligação com a expectativa narcísica de ser amada, com a expectativa do Eu de chegar num lugar bacana, de ser reconhecida por alguém. Então há um megatransbordamento... E, simultaneamente, o esvaziamento do narcisismo... Esse processo de megaêxodo esvaziando a base narcísica torna a pessoa vulnerável. Sabem por quê? Porque se alguma coisa acontece de errado nessa história, se ela desanda, a pessoa fica igual ao porquinho que o lobo assoprou a casa, e ela foi pelos ares. Eu gosto de usar esse exemplo dos três porquinhos, o da primeira casa, porque ele mostra, por exemplo, o que é uma consolidação do narcisismo. A casa um é uma casa muito frágil, quer dizer, qualquer um vai lá e derruba. Há a questão das novas patologias, mas o fato é que, na época do Freud, o paradigma era histérico, era o recalque, eram os conflitos, porque tinha sempre uma ordem, um pai, uma religião, um sentimento de totalidade, de nação, tinha sempre uma luta pelo coletivo. O que nós temos hoje não é bem isso do recalque, mas um modelo superegoico de uma espécie de “corra contra o tempo” em que você tem que gozar ao máximo. Hoje, o seu narcisismo não se constrói, não vem de fora nem de dentro, vai com o vento. E, você, parece que é o seu próprio Lobo Mau....
Carlos Mario Alvarez
Espetacular! A vida parte de um novo viés, quando percebemos que o reflexo vem daquilo que está engendrado em nós.
Sensacional!