A análise, eu sempre lhes digo, é uma forma de tentar restituir o narcisismo perdido ou, mesmo, nunca conquistado, pois o caminho é sempre muito atribulado e ele é feito justamente para não dar facilidade para o indivíduo construí-lo. Mas como é que é isso. Como isso tem início? Vejam. O narcisismo de uma criança está o tempo todo sendo formado pelo outro. Mas isso não é só a criança, é a vida toda. Porque ninguém tem um narcisismo pronto, acabado: comprou no shopping, botou no peito, “estou com meu narcisismo em dia!...” Mas lá na infância, fica claro, principalmente quando a criança ainda não atravessou o que o Freud chamará de complexo de Édipo.
Ainda, quando a criança não chegou na maturidade para virar um adolescente (outras histórias aborrecentes) Por quê? Porque quem diz para a criança quem ela é e o que é que ela pode e o que ela não pode e o que é que ela vai ser quando crescer, quem derrama um monte de frustração na criança, quem usa e abusa da criança, para começo de assunto, é mamãe e papai. São os donos daquele bonequinho. Então, se a mamãe e o papai – para usar o termo freudiano – não são suficientemente castrados, eles vão pegar o narcisismo da criança para eles. Eles vão dificultar o acesso ao narcisismo. Como é que se faz isso? Pensem nos pais que precisam que os filhos sejam o que eles querem, que os filhos sirvam para si próprios. Pensem nos pais que, por exemplo, fazem alienação parental usando cruelmente uma criança como escudo ou lança na hora de uma briga do casal. Pensem nos pais que, deprimidos, tomam a criança como analista, como confidente. Pensem numa mãe que, morrendo de ciúme do pai, quer dar um flagra e leva a criança junto. Pensem na mãe preguiçosa que transforma o filho numa espécie de garçom. Ou pensem na mãe ou no pai, ou no padrasto ou na madrasta, que dizem “você não serve para isso, nem tente”, ou “você não é tão boa quanto a sua coleguinha. Você é burra porque veio de mim, nasceu de mim, não pode ser coisa boa!...” O que é isso? Narcisismo do pai ou da mãe acabando com o narcisismo da criança. “Se eu não tive, tu também não vais ter.” Tem muito pai assim: “Se eu tive que dar esse duro todo da vida para chegar aqui, tu vais ter também que sofrer”. Uma besta. Uma besta, porque o que ele faz é simplesmente descarregar todo ódio, ressentimento que ele tem no filho. Poderia ser diferente. Poderia ser: “Meu filho eu lutei muito para chegar até aqui, você vai ter que fazer as suas lutas também, mas eu quero estar contigo, vou te apoiar”. Isso é dar dignidade narcísica a uma criança. Em outras muitas situações, acham que a criança não está ouvindo o que eles estão falando na sala, no quarto, se estão brigando, se estão transando, quando estão falando assuntos adultos. Acham que a criança não percebe direito que ambos já não se querem ou que nunca se quiseram... Que o pai está bêbado, que é alcoólatra, ou que a mãe já não gosta tanto do pai... Elas estão percebendo, chorando desesperadas, com o coraçãozinho partido.... Isso acaba com a dignidade de uma pessoa(zinha) logo de cara.
Vai dar um trabalhão para essa pessoinha ir para a vida e tentar melhorar a situação. Então, senhoras e senhores, o narcisismo não brota genuinamente da pele, do corpo biológico, embora abrigue isso. O narcisismo é um lugar que, ao mesmo tempo, funda a fronteira da existência de alguém, mas não é estrito ao corpo e à fronteira; o narcisismo reside no outro. Ai, que complicação! Psicanálise complica tudo. Por que não tem uma coisa certa, assim pão, pão, queijo, queijo, O problema é o seguinte: vocês imaginem a criança vendo a mãe deprimida, os pais brigando, ou reclamando da vida, ou sendo demitido, sofrendo sem dinheiro, todas essas coisas desagradáveis, tudo isso que pode haver em uma família e que acontece. A criança é indefesa, ela está ali, naquele cenário, vendo tudo aquilo e se virando. Às vezes, a escola é o refúgio. Mas pega uma tia, um professor qualquer, um instrutor grosseiro (que é o que mais e muito tem), e que faz pior que em casa, isso destrói, corrói, vai acabando, acabando com a integridade da pessoa. Pode ser que a escola vá para bem, porque os coleguinhas geralmente se irmanam. Mas e aqueles coleguinhas do bullying?... E aqueles coleguinhas da maldade?... Então, gente, como é difícil se tornar alguém!...
It´s getting hard to be someone
But it all works out
It doesn’t matter much to me
Você e/ou com alguém têm que cuidar de sua plantação, e fazê-la resplandecer a mais maravilhosa possível: Strawberry Fields Forever!
Carlos Mario Alvarez
Que texto forte e esclarecedor. Li do meu ponto de vista como analisando.
Que maravilhoso texto. Emocionante. Tuas palavras são como bálsamo que ajudam na busca de leveza e fortaleza na vida. Obrigada
Não