AGÔNICAS FRONTEIRAS DO MUNDO BORDERLINE
- Psicanalise Descolada
- 31 de mar.
- 4 min de leitura
Atualizado: 2 de abr.
A condição Borderline é marcada por certa ausência de territorialidade e fronteiras claras,
resultando em uma vivência psíquica de desorientação e instabilidade.
O termo "Borderline" remete à ideia de linha de fronteira, sugerindo que o indivíduo carece de um território psíquico bem definido. Na psicanálise, compreender essa condição implica reconhecer a falta de limites na organização psíquica. Diferentemente de outras neuroses, onde a função paterna serve como âncora psíquica, o indivíduo Borderline não encontra tal estabilidade. A sua existência é vivida em constante desconforto, como se estivesse em terra de ninguém, sem um lugar seguro para repousar sua psique.

IMPACTO DA POROSIDADE DAS FRONTEIRAS PSÍQUICAS
As pessoas com Transtorno de Personalidade Borderline muitas vezes experimentaram privação de acolhimento e maus-tratos ao longo da vida. Elas vivenciaram um ambiente insensível e hostil, onde as dimensões destrutivas preponderavam. Como resultado, os sintomas do Borderline são vistos como mecanismos defensivos que buscam mitigar o horror de uma existência sem fronteiras definidas. Estas manifestações incluem comportamentos autodestrutivos e agressividade, tanto em relação a si mesmo quanto aos outros.
A questão Borderline é frequentemente transgeracional, perpetuada por um ciclo de violência e desarticulação psíquica que é transmitido silenciosamente de geração em geração. São pessoas que foram, muitas vezes, vítimas de violência na infância e, na idade adulta, podem replicar essa violência. A análise psicanalítica emerge como uma tentativa de romper este ciclo, oferecendo um espaço onde o indivíduo pode começar a reconstruir suas fronteiras psíquicas e encontrar um sentido de identidade.
A OSCILAÇÃO BORDERLINE: UMA AMEAÇA DE DESINTEGRAÇÃO
Na prática clínica, pode-se compreender a pessoa borderline como uma espécie de forasteiro que clama por um lugar, por um reconhecimento que nunca lhe foi adequadamente concedido. A instabilidade resultante desta busca constante por reparação manifesta-se em flutuações de humor e uma constante tensão interna. A origem desta desconfiança e instabilidade pode ser traçada até figuras parentais que exerceram sua autoridade de forma ambivalente e humilhante, minando a segurança emocional da criança.
É um estado constante de excesso – primeiro, um excesso de maus-tratos e, mais tarde, um excesso de demanda por reparação. Este excesso impede uma negociação eficaz com o mundo, levando a explosões emocionais e comportamentos extremos. A psicanálise, nesse contexto, oferece uma abordagem para suportar e trabalhar com este excesso, ajudando o indivíduo a encontrar novos caminhos para a integração psíquica.
É essencial compreender que Borderline não é um destino inalterável, mas uma condição que pode ser transitória e sujeita a mudanças ao longo da vida. A maturidade e a experiência podem ajudar a suavizar as arestas emocionais e proporcionar uma reorganização dos afetos. A psicanálise desempenha um papel crucial nesse processo, oferecendo um espaço seguro onde o indivíduo pode explorar e reconstruir sua identidade, promovendo uma vivência mais harmoniosa e integrada.
Todos nós, em maior ou menor grau, enfrentamos constantemente a ameaça de desintegração. E o aparelho psíquico busca minimizar tensões, em consonância com o que Freud descreveu como o princípio de constância. No entanto, a pessoa com Transtorno Borderline vive uma acentuação dessa situação limite, devido à sua instabilidade emocional persistente. (É importante notar que ninguém atinge plenamente o princípio de constância, já que a vida é inerentemente inconstante.)
A pulsão, unidade fundamental do aparelho psíquico, expande-se incessantemente em busca de gozo, até encontrar um limite, que é a morte. O Borderline, por sua vez, não possui garantias mínimas de sobrevivência psíquica, pois sua pulsão não encontra limites e busca uma satisfação que nunca chega. Toda pulsão, segundo Lacan, é de morte, pois é um espasmo sem objeto que visa gozar até o fim, e para o Borderline, a ausência de uma estrutura de fantasia complica ainda mais a situação.
PSICANÁLISE E TRATAMENTO BORDERLINE
A psicanálise, nesses casos, atua para criar uma inteligência sobre as dimensões ameaçadoras, ajudando o indivíduo a se diferenciar do que é externo, evitando ser tragado por influências externas. A dependência exagerada do Borderline pelo outro reflete sua necessidade de um escudo, de alguém que ofereça amparo constante devido à falta de percepção de limites. O Borderline foi submetido à linguagem da violência e apenas através dela introjeta limites, vivendo a castração como um horror. A dificuldade em simbolizar faz com que ele vivencie, de forma indistinta, o que é interno e o que é externo. Essa condição leva a dificuldades significativas em encontrar sossego, estando sempre entre extremos: sendo engolido ou querendo engolir.
As relações de objetalização no Borderline ignoram a castração, pois, na ausência do Outro, ele não suporta o vazio. Cria defesas insatisfatórias que o levam a agir sem reflexão. Na relação com o objeto de desejo, o Borderline manipula e extrai energia, abandonando-o quando saciado. Esse ciclo de instabilidade é um desafio para o analista, que deve impor limites na sessão e na comunicação, facilitando a inscrição de novas castrações, reduzindo o impacto da pulsão de morte. O processo de análise transforma a relação entre analista e paciente em uma aliança, ajudando o Borderline a conter suas dimensões agressivas sem comprometer suas tentativas de se relacionar.
FILME “SETE DIAS COM MARILYN”: UMA ESCUTA ANALÍTICA
No intuito de clarificar algumas importantes considerações a respeito desta psicopatologia limítrofe tão importante de ser pensada - sobretudo na clínica contemporânea - nós da Psicanálise Descolada temos um Cinemanálise inteiramente dedicado ao filme "Sete dias com Marilyn" (My week with Marilyn, 2011), do diretor Simon Curtis. Nele, o professor Carlos Mario Alvarez comenta a obra a partir da escuta psicanalítica e permite que pensemos juntos e juntas as dimensões borderline fazendo um ensaio clínico a partir da história apresentada neste clássico filme sobre a vida de Norman Jean.
PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS: CAMINHOS DE TRANSFORMAÇÃO
Borderline não é um destino imutável. A experiência, o tempo e o processo analítico podem possibilitar uma reorganização dos afetos, aliviando as tensões extremas e oferecendo novas possibilidades de existência. A análise não cura o sofrimento, mas oferece ao sujeito a chance de reinventar sua relação com ele.
Equipe Psicanálise Descolada
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